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segunda-feira, 8 de outubro de 2012

O Mito da Modernidade. 6. Sociedades de Esquina. Subculturas Delinquentes.



Continua aqui a série " O Mito da Modernidade. A Execução penal brasileira e a criminologia". É a publicação, em partes do artigo com o mesmo nome. Tentarei postar um capítulo, ou parte de capítulo (caso ele seja muito grande), por semana.
Posts anteriores (para ler, é só clicar):

O texto integral foi publicado no livro "Redesenhando a Execução Penal 2- por um discurso emancipatório democrático". Quem tiver vontade e condições financeiras, pode comprá-lo aqui. Eu recomendo, pois há textos de outros 12 autores e prefácios de Alexandre Morais da Rosa e Raul Zaffaroni, que são, obviamente, muito melhores que este. Abraços!

O MITO DA MODERNIDADE. A Execução penal brasileira e a criminologia.


SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. As Faces da Moeda. Caminho para o Positivismo2.1. Iluminismo. 2.2. Escola Clássica. 3. Cara de Bandido. O Positivismo. 4. Fábricas de Marginais. Escola de Chicago. 5. Se não Tivesse, não Estaria Aqui. Anomia. 6. Sociedades de Esquina. Subculturas Delinquentes. 7. Meu Nome não é Johnny. Labeling Aproach7.1. Status Desviante. 7.2. Criação e Imposições de Regras. 8. Execução Penal Brasileira.8.1. De Olhos Fechados. Labeling Aproach e Execução Penal Brasileira. 8.2. Sociedades de Cativos. Subculturas e Execução Penal Brasileira. 8.3. Da Inovação ao Conformismo. Anomia e Execução Penal Brasileira. 8.4. Pobreza, a Falta Grave. Escola de Chicago e Execução Penal Brasileira. 8.5. É somente Requentar e Usar. Positivismo e Execução Penal Brasileira. 9. Conclusão.

    1. SOCIEDADES DE ESQUINA. SUBCULTURAS DELINQUENTES.

O morro é pobre e a pobreza não é vista com franqueza
nos olhos desse pessoal intelectual.
Mas, quando alguém se inclina com vontade
em prol da comunidade,
jamais será marginal.
Buscando um jeito de ajudar o pobre,
quem quiser cobrar que cobre,
pra mim isto é muito legal.
Eu vi todo juramento, triste e chorando de dor.
Se o sr. presenciasse chorava também, doutor...1

Conjugando as teorias da Escola de Chicago e da Anomia, entendemos que há grupos de pessoas, para os quais o êxito na busca pelas finalidades culturais é praticamente impossível. O quadro causa perplexidade e angústia, especialmente, quando existe a ideia disseminada de que vivemos em democracias, nas quais a estrutura social é flexível e o critério de ascensão é o mérito.
Retomemos a metáfora da meritocracia como pista de corridas. Idealmente, todos têm acesso livre à corrida e cada indivíduo corre na pista em competição com outros, e sua recompensa é proporcional ao esforço e habilidade. Contudo, trata-se de uma pista curiosa, pois alguns parecem começar a somente um metro da chegada enquanto outros começam bem no início da pista, aos cem metros regulamentares de distância. Certas pessoas só têm permissão para disputar uma parte da corrida- as áreas de alta performance estão fora do seu alcance; algumas pessoas - em geral as mulheres – chegam à pista de corridas cansadas depois do seu duro dia de trabalho, passando assim somente uma parte das suas vidas na pista, em vez de a vida toda. Algumas pessoas são simplesmente excluídas da pista; outras, por outro lado, não correm pois sua tarefa é entregar prêmios. Outras ainda são proprietárias da pista. Entretanto, todo mundo pode ser espectador, assistir à distribuição dos cintilantes prêmios da nossa rica sociedade.2

Diante da desigual distribuição das oportunidades que praticamente os condenam à derrota, os marginalizados teriam, segundo Merton, poucas opções: admitirem como natural a inferioridade (conformismo); romper completamente com a sociedade se isolando (rejeição) ou tentando mudá-la (rebelião); ou simplesmente buscar por meios ilícitos compensar as limitações que lhes foram impostas (inovação).
A teoria da subcultura, desenvolvida por Albert K. Cohen, na década de 1950, abre uma nova perspectiva. É possível que grupos menores, sem desprezar e pretender substituir os fins culturais aceitos por todos, criem novos objetivos, que admitam novos meios. Assim, na metáfora da corrida de J. Young, ainda que se deseje vencer o Grande Prêmio, podem surgir novas disputas internas, como quem consegue empurrar mais carros para fora da pista, quem consegue impedir o acesso a uma faixa, ou quem consegue estourar mais pneus. Para conquistar estes intentos, seria legítimo provocar batidas, bloquear vias ou jogar pregos no chão. Os troféus poderiam ser desprezíveis para alguém fora do grupo, mas importantíssimos para os seus membros.
Assim se explicariam condutas juvenis, aparentemente sem sentido, como o vandalismo e as agressões. Quando garotos, para se divertir, atearam fogo a um índio, que veio a falecer, em Brasília3, justificaram o ato por achar que se tratava de um mendigo. É um exemplo de prática caracterizada por não se voltar a fins racionas (não utilitarismo), buscar o embaraço da vítima (malvadeza) e em que se acredita não fazer nada errado (negativismo).
Cultura, para Cohen, são conhecimentos, crenças, valores, preconceitos e gostos que são tradicionais em grupos sociais e adquiridos pela participação nesses grupos. As subculturas, por sua vez, aceitam aspectos da cultura dominante, mas também expressam sentimentos e crenças exclusivos do grupo. Há outros objetivos e outros meios legítimos.
A diferença fundamental para a simples inovação é que os novos meios não são considerados reprováveis por seus praticantes4. Ao contrário, estão de acordo com os valores aceitos. Não se trata da ausência de laços sociais, mas sim de uma estrutura social diferente e também complexa. O estudo de Whyte5 sobre os rapazes da esquina do distrito de North End, Boston (chamado de Cornerville, na obra), com os quais viveu durante a pesquisa ,aponta para estas conclusões.
A história de Cornerville é contada aqui em termos de sua organização, pois assim parece o lugar para as pessoas que lá vivem e atuam. Eles concebem a sociedade como uma organização hierárquica de partes intimamente entremeadas, na qual são definidas e reconhecidas as posições das pessoas e suas obrigações mútuas.6
(...)
O problema das áreas pobres e degradadas, dizem alguns, é que são comunidades extremamente desorganizadas. No caso de Corner Ville, esse diagnóstico é completamente equivocado. É claro que há conflitos no distrito. Os rapazes da esquina e os rapazes formados têm diferentes padrões de comportamento e não se entendem. Há um choque entre as gerações. Com o suceder das gerações, a sociedade encontra-se em estado de fluxo – mas até esse fluxo é organizado.
O problema de Cornerville não é a falta de organização, mas o fracasso na sua própria organização social em se interconectar com a estrutura da sociedade à sua volta.
(...)
De fato, a sociedade mais abrangente premia a deslealdade a Cornerville e penaliza os que estão mais bem ajustados à vida do distrito. Ao mesmo tempo, a sociedade oferece recompensas atrativas em termos de dinheiro e posses materiais, ao homem “de sucesso”. Para a maior parte das pessoas de Cornerville, essas recompensas só estão disponíveis por meio de progressos no mundo dos gangsteres e da política.7

Deste modo, é possível entender que não é nenhuma característica interior, como a maldade ou mesmo uma propensão à quebra de regras que faria com que pessoas optassem por determinados desvios. A razão pela qual as pessoas ingressam no tráfico de drogas não é a vontade de afrontar os padrões, mas sim a adequação a eles. Trata-se da mesma busca por status e respeito que move qualquer um.
Posteriormente, Cloward acrescentou às ideias de Cohen a noção de que não só os meios legítimos, mas também os ilegítimos eram distribuídos diferencialmente. As teorias das subculturas não se direcionaram apenas aos pobres. Pela primeira vez, orientaram os estudos para os crimes de colarinho branco. Edwin H. Sutherland criou a teoria das associações diferenciais, para explicá-los através da aprendizagem. Criticou todas as teorias baseadas em condições econômicas, psicopatológicas ou sociopatológicas, principalmente porque se baseavam sobre falsa amostra da realidade, os dados oficiais. Para ele, o delito é aprendido.
Assim, o habitante de um morro carioca teria mais oportunidades para trabalhar no varejo do tráfico de drogas que alguém de classe média. Do mesmo modo que um bacharel em direito terá mais oportunidades de subornar juízes e funcionários de cartórios, com dinheiro ou pequenos presentes, que um pedreiro ou um carpinteiro.
A criação de uma subcultura não é restrita aos considerados desviantes, mas é usual também entre os que agem para reprimi-los. Tome-se o maior fenômeno de bilheteria do cinema brasileiro, o filme Tropa de Elite, que aborda a política de segurança pública do Rio de Janeiro. Capitão Nascimento, personagem protagonista e narrador, descreve uma série de violências, como torturas e execuções sumárias, praticadas pelo Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro (BOPE) e não disfarça o orgulho.
Eu não sou um policial convencional. Eu sou do BOPE, da Tropa de Elite da Polícia Militar. Na teoria, a gente faz parte da Polícia Militar. Na prática, o BOPE é outra polícia. Nosso símbolo mostra o que acontece quando a gente entra na favela [o símbolo é a figura de uma caveira, cortada verticalmente por uma faca, à frente de dois revólveres cruzados em diagonal]. A nossa farda não é azul, parceiro. É preta!
(...)
Um homem com farda preta entra na favela pra matar. Nunca pra morrer.8

A tranquilidade com que descreve as violências que pratica mostra que é aprendido dentro do batalhão um modelo de comportamento segundo o qual matar e torturar suspeitos é aceitável e mesmo louvável. Aprende-se ainda, pelas constantes referências às favelas, que as suas armas devem ser apontadas em uma direção específica bem determinada.
Ressalte-se, todavia, que a recepção do filme pelo público põe em dúvida a caracterização da ideologia do Bope como subcultura. A magistral direção de José Padilha e a excelente interpretação do Capitão Nascimento por Wagner Moura não levaram a um questionamento sobre os abusos policiais. Ao contrário, o personagem é idolatrado e os bordões se espalharam assustadoramente. Assim, as concepções contrárias à lei, genocidas contra os pobres, talvez sejam parte disfarçada, mas pulsante, da própria cultura da sociedade brasileira.


1 SILVA, Bezerra. Meu bom juiz.
2 YOUNG, Jock. A sociedade excludente- Exclusão social, criminalidade e diferença na modernidade recente. Tradução: Renato Aguiar. Rio de Janeiro. Revan: 2002.p.219-220
3 Os jovens colocaram fogo em Santos quando ele dormia em um ponto de ônibus depois de uma festa do Dia do Índio. Quatro dos rapazes estão presos: Max Rogério Alves, Antonio Novely Cardoso de Vilanova, Tomás Oliveira de Almeida e Eron Chaves de Oliveira. Um adolescente, G.N.A., de 16 anos está na Delegacia do Adolescente. Eles alegaram não saber que se tratava de um índio mas de um mendigo.”
Folha online. Morre índio atacado por adolescentes. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fol/geral/ge21041.htm . Acesso em 31 de outubro de 2011.
4BARATTA, Alessandro Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal. Traduçào Juarez Cirino. Rio de Janeiro: Revan, 2002, p.74.
“Só aparentemente está a disposição do sujeito escolher o sistema de valores ao qual adere. Em realidade, condições sociais, estruturas emecanismos de comunicação e aprendizagem determinam a pertença de indivíduos a subgrupos ou subculturas, e a transmissão aos indivíduos de valores, normas, modelos de comportamento e técnicas, mesmo ilegítimos.”
5 William Foote Whyte é, por muitos estudiosos, classificado como integrante da Escola de Chicago. De fato, ele estudou lá. Para nós, porém, suas conclusões estão muito mais próximas das subculturas delinquentes. De todo modo, a referência a ele serve como exemplo de como não há uma transição linear entre as diferentes teorias. Todas se misturam e convivem mutuamente.
6 WHITE, Willian Foote. Sociedade de Esquina. Tradução : Maria Lúcia de Oliveira. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editor:2005. P.273
7 WHITE, Willian Foote. Sociedade de Esquina. Tradução : Maria Lúcia de Oliveira. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editor:2005. P. 276-277
8 TROPA DE ELITE-Missão dada é missão cumprida. Direção: José Padilha.Produção: Marcos Prado e José Padilha. Roteiro: José Padilha, Rodrigo Pimentel e Bráulio Montovani. Intérpretes: Wagner Moura, André Ramiro, Caio Junqueira, Milhem Cortaz, Fernanda Machado, Maria Ribeiro e Fábio Lago. 1 DVD ( 116min) Universal Studio, 2008.   

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