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segunda-feira, 3 de setembro de 2012

O MITO DA MODERNIDADE. A Execução penal brasileira e a criminologia. 1. Introdução


Começa aqui uma nova série, no blog. É a publicação, em partes do artigo " O Mito da Modernidade. A Execução penal brasileira e a criminologia. Tentarei publicar um capítulo, ou parte de capítulo (caso ele seja muito grande), por semana.
O texto integral foi publicado no livro "Redesenhando a Execução Penal 2- por um discurso emancipatório democrático". Quem tiver vontade e condições financeiras, pode comprá-lo aqui. Eu recomendo, pois há textos de outros 12 autores e prefácios de Alexandre Morais da Rosa e Raul Zaffaroni, que são, obviamente, muito melhores que este. Abraços! 

O MITO DA MODERNIDADE. A Execução penal brasileira e a criminologia.


SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. As Faces da Moeda. Caminho para o Positivismo. 2.1. Iluminismo. 2.2. Escola Clássica. 3. Cara de Bandido. O Positivismo. 4. Fábricas de Marginais. Escola de Chicago. 5. Se não Tivesse, não Estaria Aqui. Anomia. 6. Sociedades de Esquina. Subculturas Delinquentes. 7. Meu Nome não é Johnny. Labeling Aproach. 7.1. Status Desviante. 7.2. Criação e Imposições de Regras. 8. Execução Penal Brasileira. 8.1. De Olhos Fechados. Labeling Aproach e Execução Penal Brasileira. 8.2. Sociedades de Cativos. Subculturas e Execução Penal Brasileira. 8.3. Da Inovação ao Conformismo. Anomia e Execução Penal Brasileira. 8.4. Pobreza, a Falta Grave. Escola de Chicago e Execução Penal Brasileira. 8.5. É somente Requentar e Usar. Positivismo e Execução Penal Brasileira. 9. Conclusão.


1. INTRODUÇÃO.

Alfredo Homsi, defensor público cearense, proferiu palestra em Salvador sobre o sistema prisional. Inteligente, bem preparado e bem humorado, utilizava uma música, tema de novela, para acompanhar a sua fala. Como uma declaração de amor para a Lei de Execução Penal, a letra gritava, na voz rasgada e sofrida do cantor:
Você não vale nada,
Mas eu gosto de você!
Você não vale nada,
Mas eu gosto de você!
Tudo que eu queria
era saber Porquê?!?
Tudo que eu queria
era saber Porquê.
1

Referia-se à opinião de que a nossa legislação era excelente, porém nunca cumprida. Suas normas são desprezadas. Ela parece não valer nada. Mas, o conferencista gostava dela, pois acreditava que a sua aplicação representaria um grande avanço e, talvez, pusesse fim à tragédia dos nossos estabelecimentos penais.
Não é um pensamento isolado. Na verdade, existe consenso em torno desta ideia, como demonstra pequena e rápida pesquisa na internet. No congresso nacional, o Deputado Domingos Dutra, do partido governista, afirmou que a LEP é “muito boa”2. Já o seu colega oposicionista João Campos pensa que ela é avançada, mas não levada a termo pelo poder executivo.3
O juiz Alexandre Nunes enxerga nela uma lei boa, mas não materializada4. A promotora Grecianny Cordeiro acredita que ela é moderna, mas não serve para nada se tivermos as piores prisões do Brasil5. O Coronel da Polícia Militar Franklin de Paula Silveira afirma que é uma boa lei, mas não é executada.6
Pessoas que não exercem cargos públicos também pensam da mesma forma. Douglas,de Jacos-PI, comentando um texto, diz que a lei é boa e humana.7 Já Antonio Carlos, colunista do Jornal Pequeno garante que se a lei de execução penal fosse aplicada, não teríamos o forte horror que assola as prisões brasileiras8.
Ninguém esclarece, entretanto, qual o critério utilizado por defensores públicos, promotores, juízes, policiais, políticos de direita, políticos de esquerda, leitores de blog e colunistas de jornais, para afirmar que nossas normas infraconstitucionais são boas, humanas, modernas e avançadas. Por que uma lei de execução penal seria boa ou ruim, avançada ou atrasada?
Na busca por uma resposta, pensamos que um caminho provável é a análise dos seus dispositivos, relacionando-os aos saberes produzidos pela criminologia, ao longo da história. Assim, seria possível compreender para que objetivos e para quais ideologias, a LEP seria tão interessante.
Propomos então um estudo de cinco escolas criminológicas (positivismo, escola de Chicago, Anomia, Subculturas e Interacionismo), que no momento de promulgação da LEP já eram maduras e conhecidas a ponto de ser exigível que os legisladores as levassem em conta. A seguir, compararemos os seus pilares com a nossa legislação.
Partimos da premissa de que as teorias analisadas não se sucederam regularmente. Todas conviveram e continuam convivendo, influenciando tanto os nossos pensadores, quanto as nossas leis, até hoje. Ao final, pretende-se responder se a LEP realmente não vale nada e se nós podemos gostar dela. Ou melhor, para que ela vale e o que significa gostar dela. Acreditamos que a resposta pode surpreender alguns dos seus entusiastas.



1 DANTAS, Dorgival. Solteirões do Forró. Você não vale nada.
2 BRASIL. Câmara dos Deputados. 23 DE MARÇO DE 2011. Notas taquigráficas. Domingos Dutra, Deputado Federal (PT-MA) Disponível em http://www.camara.gov.br/internet/sitaqweb/TextoHTML.asp?etapa=3&nuSessao=047.1.54.O&nuQuarto=41&nuOrador=1&nuInsercao=0&dtHorarioQuarto=18:20&sgFaseSessao=OD%20%20%20%20%20%20%20%20&Data=23/03/2011&txApelido=DELEGADO%20WALDIR Aceso em 27 de novembro de 2011.
“Este País tem boas leis. A Lei de Execução Penal é muito boa, assim como a Constituição. É importante aprovarmos o projeto, mas temos de manter a vigilância para obrigar os Estados e a União a empregarem encarcerados em obras públicas, garantindo emprego e educação como forma de diminuir a criminalidade.”
3 BRASIL.Câmara dos Deputados. Notas Taquigráficas. 07 de maio de 2009. Deputado Federal João Campos (PSDB –BA). Disponível em http://www.camara.gov.br/internet/sitaqweb/TextoHTML.asp?etapa=3&nuSessao=096.3.53.O%20%20%20%20%20&nuQuarto=29&nuOrador=1&nuInsercao=0&dtHorarioQuarto=09:56&sgFaseSessao=BC%20%20%20%20%20%20%20%20&Data=07/05/2009&txApelido=JO%C3%83O%20CAMPOS&txFaseSessao=Breves%20Comunica%C3%A7%C3%B5es%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20&dtHoraQuarto=09:56&txEtapa=Com%20reda%C3%A7%C3%A3o%20final acesso em 27 de novembro de 2011. “Temos uma lei avançada quanto à execução penal, mas o Poder Executivo, em todas as suas esferas, não a leva a termo, não cria estruturas para que ela possa cumprir seus objetivos. E às vezes, quando o Executivo não faz o seu papel, avocamos a nós mesmos a culpa, infelizmente, como se o problema fosse das leis.”
4 Alexandre Nunes, Juiz da Vara de Execuções Penais de MS, em 2004. Disponível em http://www.midiamax.com.br/impressao.php?id=96842 acesso em 27 de novembro de 2011. “No Brasil, nós temos uma grande capacidade de fazer leis boas, a nossa Lei de Execução Penal é boa. O que nós temos dificuldade é de materializar, embora o atual governo venha fazendo muito, principalmente no regime fechado.”

5 Grecianny Cordeiro, Promotora de Justiça e escritora, Fortaleza/Ce. Comentários a A TORTO & A DIREITO No 145 (B) Disponível em http://www.direitoce.com.br/colunistas/4/coluna/49242/ler.html Acesso em 27 de novembro de 2011. “O que adianta ter uma legislação moderna como a Lei de Execução Penal e ter um dos piores sistemas prisionais do pais?”

6 Cel. Franklin de Paula Silveira. Polícia Militar de Minas Gerais. Disponível em http://www.minaseditora.net.br/index.php/noticias/detalhes/8/11 Acesso em 27 de novembro de 2011. “O sistema judiciário brasileiro deveria ser ajustado em relação ao cumprimento da execução penal. É uma boa lei, mas não é executada.”

7 DOUGLAS DE JACOS-PI Disponível em http://www.noticiei.com/mural/index.php?PageNo=42 acesso em 27 de novembro de 2011.

“Investir em políticas públicas de prevenção contra a criminalidade, como educação, cursos profissionalizantes, programas de conscientização e inclusão do cidadão na construção do país, ajudaria muito.

A nossa Lei de Execução Penal n° 7.210/84, muito humana em seus espírito de reabilitação e ressocialização dos presos, em seus vários dispositivos vislumbra como objetivo orientar o retorno á convivência em sociedade, e mais ainda busca promover a assistência, material, á saúde, jurídica, educacional, social e religiosa.

Na assistência educacional buscará a instrução escolar, e a formação profissional do preso e do internado; o ensino de primeiro grau será obrigatório; o ensino profissional será ministrado em nível de iniciação ou de aperfeiçoamento técnico; a mulher condenada terá ensino profissional adequado a sua condição.

Não somos nenhum modelo, ainda, de instituição e reabilitação prisional, mas estamos no caminha, já temos boas leis, só falta colocá-las em prática, mas temos certeza que soltar metade dos presidiários e construir mais presídios não é a solução.”

8Carlos, Antonio. Justiça Penal. Disponível em http://www.jornalpequeno.com.br/2009/8/31/Pagina120749.htm Acesso em 27 de novembro de 2011
“O Brasil poderia ser um país melhor e mais justo se as leis fossem aplicadas em sua plenitude. A Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84) é um forte exemplo de que não bastam boas leis para mudar uma realidade vergonhosa que teima em persistir no país desde o Brasil Colônia.
Embora seja considerada uma das melhores e mais modernas do mundo, a Lei de Execução Penal não conseguiu alterar a situação caótica do sistema penitenciário brasileiro.
(...)É lamentável que a Lei de Execução Penal – que já previa garantias que posteriormente viriam a ser incorporadas na Constituição de 1988 – não venha sendo aplicada plenamente. Se fosse aplicada, não teríamos o horror que hoje encontramos no sistema penitenciário.”

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